RACISMO: UM MAL-ESTAR PSÍQUICO
ANGELA BARAF
PODKAMENI E MARCO ANTONIO CHAGAS GUIMARÃ
Por:
Francine Alves[i]
A
escolha de abordar esse tema é mostrar como a saúde psíquica do povo negro é
bastante afetada pelas questões raciais. O tema é de extrema importância, mas é
pouco discutido. Apesar de que as doenças sofridas pelos negros sejam, em sua
grande maioria, as mesmas sofridas por toda a população, possuem diferenças no
seu contexto histórico. Contexto histórico esse que envolve a escravidão,
preconceitos, traumas, psicoses, racismo, negação de direitos, exclusão.
O
texto escolhido descreve alguns relatos de um homem negro que procurava formas
de lidar com alguns traumas que ele possuía traumas que muitas outras pessoas
negras também possuem, mas que não procuram meios de tentar compreender esses
problemas, ou de tratar eventuais casos, não porque não querem, mas por já está
naturalizado que quem sofre de depressão, psicoses, entre outros traumas
mentais, são pessoas que não possuem problemas cotidianos, que não tem do que
reclamar, ou seja, aquele velho ditado “Depressão é coisa de gente rica” e como
a maioria da população pobre brasileira é formada por negros, e esses possuem
muitos problemas diários, então, para a sociedade, esses indivíduos não dispõem
de tempo para adquirir eventuais problemas.
É com essas formas mascaradas de
racismo, que a saúde mental e emocional do negro esta sendo extremamente
ignorada, negligenciada, e isso é muito nocivo, porque mascara o sofrimento
legítimo de muitas pessoas. O povo negro já sofre com o processo de exclusão
pela condição financeira baixa, e vem o racismo e acaba potencializando o
sofrimento dessas pessoas. A exclusão social, a discriminação, destrói qualquer
autoestima, causam desespero, tristezas, acabam com motivação de vida, a esperança,
levando a diversos outros problemas sociais, como a dependência química, sejam
elas drogas ilícitas, álcool e outros problemas cotidianos; e passar por todos
esses transtornos psicológicos sem receber nenhum auxílio, não é o mais grave,
o mais grave é passar por isso tudo sem receber auxilio porque é considerado pela
sociedade que essas pessoas não têm porquê sofrer esses atritos emocionais e
mentais. Não ter nenhuma ajuda, desmotiva qualquer pessoa a resistir e
lutar para sair ou superar as situações de subalternidade que lhe foi imposta.
Por essas questões, foi escolhido
esse tema para elaborar o referente trabalho acadêmico, com base no texto
“Racismo: um mal-estar psíquico” e discutir que a saúde mental e emocional do
povo negro é importante sim, e que esse povo é o que mais sofre com esses
problemas.
No texto base, é mostrado
como a saúde metal do negro brasileiro é afetada sem nem mesmo quem sofre com
isso perceber. Em uma das vivências contadas pelo paciente, ele fala do tempo
da escola, da dificuldade que ele e outro colega “mais preto que ele” tinha em
levantar a mão para tirar dúvidas com o professor: “(...) Quanto mais a pele
era escura, mais sentia um distanciamento. Me sentia isolado, com um silêncio
maior. Meu colega não acabou o primário.”(p. 227). Com esse trecho de sua fala, é nítido como a saúde
psíquica dos negros vem sendo destruída desde crianças, ao ponto de levar elas
a não terminarem os estudos.
O racismo no Brasil, de
acordo com Abdias do Nascimento, é caracterizado pela covardia, ou seja, ele
não se assume e por isso não tem culpa e nem autocritica. É considerado sutil,
mas para o autor o racismo não tem nada de sutil, pois para quem não quer se iludir está escancarado no olhar mais casual e superficial. Então, é muito triste
pensar que esses transtornos mentais assola o povo negro desde crianças, pode se
dizer que até mesmo antes de nascer, quando ainda não se sabe totalmente sobre
tudo que ocorre na sociedade, é sofrer sem ao menos saber o porquê, ao
mesmo tempo ter a sensação de que alguma coisa ruim esta acontecendo ou algo
errado, sendo transmitido pelos sentimentos da mãe. E já começa dali a não ter uma visão positiva sobre quem você é,
causando profundos danos na formação de sua identidade.
As
mulheres e homens negros encontram-se em um contexto extremamente desfavorável,
em que a permanência excessiva da discriminação racial torna muito mais fácil
deles se enxergarem negativamente, por conta disso, é muito difícil eles
conseguirem manter a sua autoestima em um nível saudável, além de prejudicar a
percepção de si mesmo como indivíduo com relevância e valor social, o racismo
também dificulta a participação em atividades sociais importantes. A maioria
dos negros não conseguem empregos, profissões, moradias de qualidades, e essas
dificuldades apontadas causam assim, os problemas
emocionais e psicológicos, porque o ideal para o bem estar do ser humano é
pertencer a uma comunidade, ser bem visto dentro dela e manter laços sociais.
A sociedade precisa
entender que os preconceitos afetam as subjetividades, acarretando em possíveis
problemas psicológicos, como depressão, desmotivação. Segundo Sawaia, define
sofrimento ético-politíco como a experiência emocional de quem se vê impedido
de se expressar, por estar habilitado a sofrer qualquer tipo de exclusão, ela
diz:
(...) é a dor mediada pelas injustiças sociais. É o
sofrimento de estar submetida à fome e à opressão, e pode não ser sentido como
dor por muitos (...). Por serem sociais, as emoções são fenômenos históricos,
cujo conteúdo e qualidade estão sempre em constituição. Cada momento histórico
prioriza uma ou mais emoções como estratégias de controle e coerção social.
(Sawaia, 2008:102)
Um exemplo que pode ser
citado para mostrar que as doenças psíquicas são derivadas de situações
históricas e sociais, e não podem nunca ser desvinculada desse fator, e vem
desde o regime da escravidão, é a doença conhecida como banzo que nunca foi
nitidamente explicada, mas que matou inúmeros negros, entre mulheres, homens, e
inclusive crianças. Os negros entravam em estado de profunda melancolia, com um
forte sentimento de saudade de sua terra natal, e de acordo com alguns autores,
poderia ser considerado como depressão.
Mas
pensando bem, é bem difícil ou vai ser bem difícil da sociedade entender que os
negros também sofrem de problemas psíquicos como qualquer outra pessoa, e em
minha opinião, isso ocorre porque para reconhecer esses transtornos emocionais,
primeiro é necessário reconhecer que sofremos com a discriminação, com a
exclusão. É necessário que a sociedade reconheça que existe racismo. É
necessário reconhecer que a sociedade é racista, pois ela permite que alguns
tenham acesso a benefícios sociais a partir da exclusão de outros, e enquanto
se negar ou tentar encobrir o racismo, os negros continuarão sofrendo sozinho,
pois não se tem nem a “liberdade” ou direito de dizer que é possível sim e real o
negro ter traumas, é uma coisa nítida, pois essas pessoas viveram anos
de exploração, anos de desigualdades, exclusão, discriminação, e ainda sim, ser
legitimado que não sofremos.
Como não? Como não ficar
abalado emocionalmente, mentalmente com todo esse massacre? Será mesmo que a
sociedade não percebe como o racismo mata? Sofremos com situações que são
consideradas “pequenas”, como: um olhar estranho nas ruas, ser seguido por
seguranças em lojas, pessoas trocarem de ruas pra não passar perto de você; para
quem não sofre com o racismo pode não ser nada demais mesmo, mas só quem
realmente é negro sabe como dói, sabe como afeta, e ainda ouvir aquela frase:
“Você está vendo coisa onde não tem”, “Não se faça de vítima”. Mas ele
acontece, seja de forma mais velada, ou de forma mais explícita. Temos que
acabar com essa cultura no Brasil, do opressor gritar e o oprimido ficar calado
se sentido errado. O racismo deve ser compreendido como uma manifestação
sociocultural, esquematizada, que dispõem de privilégio as pessoas brancas,
enquanto as negras são subalternizadas.
E não adianta negar a
raça biologicamente, e nem conversas de que “somos todos iguais, somos todos
mestiços, não tem porque, não tem como existir racismo”, porque se sabe (ou
deveria assumir) que o racismo no Brasil é caracterizado por questões
fenotípicas. Mas para os racistas é bastante cômodo negar a raça, e defender
a ideia da consciência humana, pois elas pertencem ao grupo étnico que por
séculos foram às únicas com direitos a serem reconhecidas como seres humanos.
Como diz Carlos Moore:
“A
raça existe de forma concreta e
prática como marcador
social/estrutural. É uma realidade social definidora que regula as relações políticas,
sociais, econômicas e culturais entre os grupos humanos, que ostentam entre si
características fenotípicas diferentes.
Não se fundamenta nos marcadores biológicos, mas nos fenotípicos. Ou seja, nos marcadores
visíveis e tangíveis por meio dos quais os seres humanos hierarquizam-se,
valorizam-se ou estigmatizam-se racialmente.
De forma que argumentar que o racismo não existe porque a “raça” não existe biologicamente é contribuir para a
continuidade de toda uma série de mistificações criadas pelos próprios
racistas.” (Moore, 2011, p. 04)
O problema se
torna mais difícil ainda de ser tratado, por conta também da adaptação ao
sofrimento do outro, e principalmente quando o outro quase que não é visto como
ser humano. O racismo nos atinge de várias formas, é um massacre diário, e ainda
levar a culpa por ter sofrido racismo, pois quem comete racismo acha que a
culpa é da vitima, que pode ser taxada também de complexada, além de destruir a
consciência dos brasileiros sobre as questões raciais, fortalece e levanta
barreiras difíceis de ultrapassar, faz com que os cidadãos se tornem
insensíveis com a dor do outro, nesse caso os excluídos e marginalizados. Todos
aqueles que são privilegiados pelas ações racistas, sempre chamará de
“vitimistas” aqueles que são prejudicados por essas ações. O racismo tem que
ser enfrentado, tem que ser pautado, apontado, discutido, pois creio que sem a
luta contra o racismo não tem como existir uma saúde mental positiva para os
negros. É necessário acabar com essa popularização do sofrimento dos outros, temos
que buscar medidas para que as pessoas consigam cuidar de suas mentes, porque
até hoje isso é privilégio de poucos.
Em outro trecho do texto base, o
paciente faz um relato sobre como ele se sentia com relação a ser negro, ele se
sentia estranho, como se ele não fizesse diferença no meio em que ele vive, em
sua fala:
“Ser negro, muitas vezes, me causou uma sensação de
estranheza. É uma sensação como se estivesse vivendo, mas não estivesse
existindo. Tinha dificuldade de ver isso. Com a análise é que tenho resgatado
isso. Tenho resgatado também memórias. Também vou resgatando coisas que eu não
lembrava quando leio romances que tratam de questões raciais. Era como se
tivesse apagado. Como se eu estivesse num sono e que fosse acordando. Como se
não quisesse dar conta daquilo [...]” (p. 227)
Um problema social, histórico faz com que pessoas
não se sintam como “pessoas normais ou comuns”, pois várias delas em alguns
momentos de sua vida deve se sentir como ele. Fica escancarado, como essas
pessoas precisam de auxilio psicológico, pois chegar a um ponto em que ela se
sinta estranha com relação a outras pessoas, não se reconhecer, é uma questão
muito complicada. Não se reconhecer dói, sofremos com isso, só quem já passou
por essas situações entende, é uma sensação difícil de descrever; como ele
fala: “ter a sensação de estar vivendo, mas não existir”, é muito grave. E ele
afirma que começou a perceber e resgatar suas memórias quando conheceu a análise,
basicamente outra confirmação de que os auxílios são necessários e estava
fazendo efeito na vida dele.
Em
virtude do que foi mencionado, nota-se que o principal fator para não ser
reconhecido o mal-estar psíquico dos negros é a negação da existência do
racismo. Durante mais ou menos 70% do tempo de existência do Brasil, os negros
foram tratados como animais, e mesmo assim ainda existem pessoas, as que sentem
seus privilégios ameaçados, que acreditam (ou fingem acreditar) que isso não
afetou e não afeta em nada a questão social e econômica dos negros. Então, é
importante que busquem mecanismos que de alguma forma mude essas visões, reconheça
que os negros possuem sentimentos e sofrem muito mais que as outras pessoas e o
contexto histórico (escravidão, preconceitos, traumas,
psicoses, racismo, negação de direitos, exclusão) esta para provar, e que nós negros devemos prestar mais atenção em nós
mesmo, se solidarizando com a dor do outro, que sejamos mais nós por nós, mais
protetores, pois se não juntarmos forças e ajudarmos uns aos outros, não serão
os privilegiados que fará isso!
Então,
devemos defender que os negros precisam de apoio psicológico sim, e seria bem
interessante que buscássemos mais auxílios de profissionais negros, pois só nós
sabemos o quanto se sofre com o racismo, não querendo dizer que um profissional
branco não irá “ajudar”, mas é óbvio que pessoas não negras não experimentam as
mesmas vivências racistas que os negros sofrem, podendo deslegitimar o discurso
de um paciente negro, causando assim sofrimentos maiores.
Um psicólogo, um analista
negro conseguirá ouvir e acolher melhor seus problemas, fazendo até o negro se
sentir reconhecido, representado, porque eles terão mais facilidade de entender
nossas queixas, nossas dores, que por muitas outras pessoas são ignoradas. Por
fim, essa reflexão é bastante válida para que se pare de invisibilizar essa
violência psicológica que atacam os negros e negras, que possamos aprofundarmos
nos auxílios terapêuticos para o povo negro e que não coloquem o sofrimento
decorrente do racismo como um exagero.
Referências:
ARRAES, Jarid. Saúde Mental da População Negra.
19 dez, 2013 Disponível:
blogueirasnegras.org/2013/12/19/saúde-mental-populacao-negra/. Acesso em: 31
mar. 2017.
GUIMARÃES, Marco Antonio Chagas; PODKAMENI, Angela
Baraf. Racismo:um mal-estar psíquico. In: Saúde da população negra. 2º edição, 2012. Brasília:
Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, p. 328
LAGES, Sônia Regina Corrêa. et al. Pesquisas em
Psicologia Social no campo da Saúde da População Negra no Brasil.
Universidade Federal de Minas Gerais.
SAWAIA, B.. (2008). O sofrimento ético-político
como categoria de análise da dialética exclusão/inclusão. In: SAWAIA,
B.Organizadora. As artimanhas da
exclusão: análise psicossocial e ética da desigualdade social. Coleção
Psicologia Social. 8ª edição. Editora Vozes Ltda. Petrópolis, RJ, p.97-118.
WEDDERBURN, Carlos Moore. A humanidade contra si
mesma para uma nova interpretação epistemológica do racismo e de seu papel
estruturante na história e no mundo Contemporâneo. Artigo
apresentado no “II Fórum Internacional Afro-colombiano”. Bogotá, 18 de Maio de
2011.
[i] Estudante do curso de Ciências
Sociais pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia - UFRB, no Centro de
Artes Humanidades e Letra - CAHL em Cachoeira - Ba, militante do Núcleo de Negras
e Negros Akofena.
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ResponderExcluirOlá! Tenho buscado referências de autoras/es negras/es e gostaria de saber se a Angela Podkameni e o Marco Antonio Guimarães são negros. No mais, texto incrível! Felicidade ver a Bahia representando. Um beijo
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