EDUCAÇÃO COMO CASO DE POLÍCIA
Emily
Nascimento Almeida[i]
Resumo
Esse trabalho tem como objetivo
analisar a intervenção da polícia na educação dos negros no Brasil em
detrimento de uma política educacional representativa para os negros. Tal
analise, deu-se por meio do estudo das relações sócio - racial histórica, em
que transitamos da era colonial, abolicionista e a atual situação social que se
encontram os negros majoritariamente. Utilizamos como aporte teórico para o
desenvolvimento deste artigo, autores que dissertaram sobre o período
escravocrata e abolicionista no Brasil, assim como, os que discorrem sobre o Estado
Penal e Política Educacional. Através deste trabalho, pode-se observar que
desde o período abolicionista, até as principais políticas voltadas aos negros
foram/são de controle e criminalização.
Palavras-chave:
Educação; Estado Penal; Negros; Criminalização.
1. Introdução
Uma
das características marcantes das periferias brasileira é a forte presença do
ostensivo policial, com o objetivo de coagir e reprimir os moradores, a fim de
garantir a “ordem”. Observa-se através dos estudos feitos para o
desenvolvimento deste trabalho, que tais espaços são ocupados majoritariamente
por pessoas negras, sendo, portanto, reflexo de um passado de exploração, e um
presente exclusão (MOURA, 1988). Desta forma, tais espaços ocupados pela população
negra, tal como, seu modo de vida são segmentados e estigmatizados. No entanto,
através da ideia do Mito da Democracia tenta-se neutralizar as desigualdades
sócias - raciais existente no Brasil, servindo assim aos interesses das elites
(MOURA, 1988). Nota-se, a partir da elaboração deste artigo que a lógica penal
é historicamente uma das principais políticas que são orientadas aos negros,
com objetivos claros de controle.
Os
negros que em algum momento da história Brasileira foram proibidos de estudar, como
em 1838, segundo Moura (1988). O que refletiu na condição de subalternização
que se encontram. A educação ainda no século XXI tem sido espaço de intervenção
penal do Estado, através da inserção de policiais nas escolas, principalmente
das periferias urbanas, como educadores e mediadores de conflitos. A
contradição nessa interação está no próprio histórico de atuação das forças
militares, que desde a era escravocrata visam garantir o domínio europeu sobre
os negros vindo compulsoriamente da África para serem escravizados no Brasil
(BATISTA, 2003). Sendo assim, o objetivo permanece de manutenção da ordem
burguesa, através da disseminação de valores dominantes, repressão e controle.
As
escolas das periferias, desta forma, é vista pelo Estado como um espaço onde se
faz necessário medidas de segurança pública, antes mesmo das políticas educacionais
e sociais, como aponta Castro (2013). Desta forma, analisaremos brevemente
sobre os desafios para efetivação da lei 10.639/2003, se aplicada, poderá ser
um importante instrumento de reflexão sobre a égide estruturalmente racista que
os negros estão inseridos, inclusive do porque do direcionamento quase
exclusivo das políticas penais.
Este trabalho,
portanto, tem como objetivo sinalizar sobre a implementação de políticas
penais, em detrimento de políticas públicas, como forma de controle e
vigilância do comportamento e do modo de vida negra.
2. Trajetória
da política de educação para o povo negro no Brasil
Segundo
Nascimento (1980), a hegemonia colonizadora se expande norteada pelo
eurocentrismo, que submete territórios, etnias e povos ao modelo ocidental de
acumulação do capital, sob a justificativa da hierarquia das raças. Apesar de
possuírem posicionamentos paradoxais para sociedade ocidental, o cristianismo e
a ciência contribuíram igualmente para a consolidação do pensamento de evolução
das raças, dentro do qual a Europa se encontra inserida no estado superior de
evolução humana. Sob esse assentimento estrutural, o capitalismo firma suas
bases nos moldes mais primitivos, no que se refere à dominação dos Continentes
Americanos e Africano, através dos mecanismos de desumanização das raças
indígena e negra.
O que era ser
humano foi reificado nas terras do capitalismo, ou nativizado em sua própria
pátria de origem, pelos interesses e abusos do racismo colonial, primo gêmeo do
imperialismo europeu. (NASCIMENTO, 1980, p.42)
Desde
o século XV, Portugal matinha relações comerciais com diversos povos da Costa
Atlântica da África, negociando todo tipo de produtos, além de pessoas
africanas, para serem exploradas através do trabalho escravo. O tráfico de
africanos, os quais foram trazidos para serem escravizados na colônia
brasileira, durou 500 anos, formando um contingente negro diaspórico de
africanos. Destituídos de qualquer tipo de humanidade pelo regime escravocrata,
os negros africanos e descendentes travaram histórias de lutas e resistência ao
longo de todo período escravocrata - e após, permanecendo a lutar até os dias
atuais.
Neste mundo
economicamente fechado, durante o Brasil-Colônia somente quem trabalhava era o
negro escravo. O fausto dessa economia, que permitia aos senhores importarem
seda e vinhos da França e o seu comportamento de verdadeiros nababos, tinha
como único suporte o trabalho da escravaria, que vivia sob as formas mais
violentas de controle social, um clima de terrorismo permanente, ou se rebelava
e fugia para as matas, organizando quilombos, onde reencontrava a sua condição
humana. (MOURA, 1988, p.21)
Os
negros foram destituídos de todos os seus direitos como ser humano, e assim no
que se refere a educação não foi diferente, por meio do Decreto-lei 1.331-A, em
1954, o negro era oficialmente proibido de frequentar as escolas. Porém,
segundo Moura (1988) antes mesmo da institucionalização da proibição de acesso
às escolas, os negros que
demonstrassem o mínimo de conhecimento acerca de leitura ou escrita
eram severamente punidos.
Art. 69. Não
serão admitidos á matricula, nem poderão frequentar as escolas:
§ 1º Os meninos
que padecerem moléstias contagiosas.
§ 2º Os que não
tiverem sido vacinados.
§ 3º Os escravos.
( CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1854, s/n)
Em
decorrência da supracitada vedação legal, os negros não puderam frequentar as
escolas. Uma vez também que o português era uma língua estrangeira para a
maioria dos africanos que, mesmo tendo aprendido a falá-la, não sabiam
escrevê-la (Nascimento, 1980). Esses fatores fizeram com que formassem um ciclo
vicioso de analfabetismo, fator este que geraria gravíssimas consequências após
a Abolição, e graves reflexos até os dias atuais.
Há
um dito popular que diz que “Educação é Poder”, sendo assim, proibir o acesso
dos negros a escola foi mais uma estratégia de controle utilizada pela classe
dominante branca. De acordo com Moura (1988) o decreto em 1854 no qual proibia
os negros de frequentarem escolas públicas foi uma das estratégias de
imobilismo social contra os negros. Devido à baixa qualificação que tinham e a
concorrência com o imigrante europeu que formavam barreiras para sua inserção
no mercado de trabalho. Os poucos que se inseriam no mercado de trabalho
ocupavam os ofícios braçais, enquanto os brancos, os trabalhos intelectuais, o
que Azevedo (1997) chamou de divisão racial do trabalho.
O
povo negro, em consonância com Moura (1988), não eram tratados com seres
humanos, o que justificava uma suposta inferioridade racial dos negros. Tais
pressupostos segundo o autor eram tidos como normal e aceito pela Igreja
Católica:
Não havia
diferença entre o tratamento que se dava a uma besta e o que se dispensava a um
negro escravo. Mas essa legislação repressora, escravista e despótica por isto
mesmo, era aceita como normal e cristã, contando que os escravos, no memento
cero, fossem batizados pelos seus senhores. (MOURA, 1988, p. 96)
A
política de analfabetismo, segundo Moura (1988) foi presente em outros anos,
como no Estado Novo em 1945, aonde Eurico Gaspar Dutra, promulgou uma norma que
permitisse apenas entradas de brancos da Elite nas Escolas Preparatórias de
Cadetes. “Democratizando” o acesso a essas escolas, de acordo com o autor,
somente quando o Brasil entrou em guerra contra a Alemanha, pois seria
necessário o uso da mão de obra
dos negros, mulatos, judeus e filhos de operários, que até então eram
proibidos de frequenta tal espaço.
Assim,
os negros analfabetos foram induzidos a formar uma grande massa sobrante,
lembrando que historicamente eles representam o maior contingente populacional
no território brasileiro. Ou seja, a exclusão do negro na política de educação
impossibilitou sua inserção em qualquer função qualificada, impedido até mesmo
de trabalhar em fábricas, obrigando-os a buscarem o mercado informal, o qual
não permitia acesso a direitos básicos, como a serviços públicos de saúde e de
previdência. Destacando que até a Constituição de 1988, o acesso aos direitos
sociais era exclusivo a quem possuía vinculo formal na carteira de trabalho.
"Em um país
como o Brasil, com as tradições político-econômicas e socioculturais delineadas
anteriormente, e que apenas a partir da Constituição de 1988 passa a ter em
perspectiva a construção de um padrão público universal de proteção social,
coloca-se um quadro de grande complexidade, aridez e hostilidade, para a
implementação dos direitos sociais, conforme estabelecido no artigo 6º da
Constituição Federal. Esta institui como direitos a educação, a saúde, o
trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância e a assistência social." (BOSCHETTI, 2011, p.
156)
3. A dominação
racial através da constituição do Estado penal
Um
breve histórico do Estado Penal no Brasil, aponta que a polícia e o judiciário
foram coniventes com o tráfico de africanos, participando ativamente do
comércio ilegal, segundo Moura (1988). De acordo com o autor, mesmo depois de
1830 com o tráfico de escravos considerado ilícito, a Marinha que tinha função
de fiscalizar e reprimir o comércio de africanos fazia vistas grossas,
permitindo que os negócios continuassem, sendo, portanto, um dos agentes para
prolongação da escravidão de africanos no Brasil. Os negros então tiveram
contra si todo o aparelho de dominação do Estado:
O negro que aqui
chegava coercitivamente na qualidade de semovente tinha contra si todo o peso
da ordenação jurídica e militar do sistema, e, com isto, todo o peso da
estrutura de dominação e operatividade do Estado. (MOURA, 1988, p. 21-22)
Azevedo (1987), em
“Onda Negra Medo Branco” disserta sobre a questão abolicionista no Brasil, suas
analises apontam sobre o grande contingente populacional negro fruto do tráfico
de africanos no país. Ainda de acordo com a autora, a presença expressiva de
africanos e afrodescendentes, escravizados e recém-libertos, sem que
houvesse um rígido controle sobre essa relação, propiciavam organizações
contrárias a ordem pública e privada, como as revoltas contra os senhores. Tais
mobilizações podiam colocar em risco a hegemonia do poder branco, como afirma:
É fácil
imaginar como estes ex- senhores e suas famílias se sentiam ameaçados por
aquelas levas de negros que vagavam livremente pelo campo fora de qualquer
controle institucional. Pela primeira
vez na história da escravidão na província pressentia-se a aproximação de um
momento de acerto contas e nisto os brancos poderiam levar a pior, já que as
forças policiais existentes dificilmente conseguiram fazer frente a um situação
de ruptura institucional completa.(AZEVEDO, 1987, p. 205)
Um
grande amortecedor desses conflitos, foi sem sombra de dúvida a política de
branqueamento da população (MOURA, 1988), via incentivo da imigração europeia
que culminou na propagação do “mito da democracia racial”[1].
No entanto Moura (1988), afirma que a ideia de “democracia racial” surge no
sentido de conservar e preservar valores discriminatórios do dominador. Neste
sentido, os aparelhos repressores do Estado também precisam se aperfeiçoar para
manter o controle da população negra. De acordo com Azevedo (1987). A polícia
que em qualquer situação de conflito agiria de modo a reprimir as revoltas dos
negros, precisou em alguns momentos mudar sua postura, atuando mediação de
conflitos, haja vista, o reconhecimento do Estado que o enfrentamento aos
africanos e afrodescendentes rebeldes poderia resultar em saldos negativos,
colocando em choque o poder hegemônico do homem branco.
Em outros tempos,
certamente a polícia não hesitaria em juntar-se aos proprietários para atacar
tamanha ousadia. Porém, o momento era delicado e a policia devia zelar acima de
tudo pela manutenção da ordem pública, cada vez mais ameaçada por uma guerra
aberta entre os negros e brancos e cujos contornos já delineavam de forma
bastante sangrenta. (AZEVEDO, 1987, p. 212)
Á policia, conforme exposto, surge da necessidade de
manutenção da ordem de dominação racial. O histórico disponibilizado no site da
Policia militar do Espírito Santo (PMES) sobre seu surgimento confirma a tese
de que a PM é oriunda da Guarda Nacional fiel ao Estado e subserviente ao
sistema Colonial Escravocrata:
Para manter a
ordem o governo precisava de uma força militar fiel, para isso, foi criada em
18 de agosto de 1831 a Guarda Nacional, que tinha o objetivo de defender a
ordem pública e a propriedade, combater as revoltas populares e manter a
escravidão. (PMES, s/n.)
Apesar
do Aparelho penal do Estado ter sofrido alterações ao longo do tempo, a lógica
de controle sócio - racial permanece até os dias atuais, mediante o slogan de
“preservação da ordem pública”, como vimos presente em outros tempos da
história. Sendo assim, observa-se que as formas de dominação se aperfeiçoaram e
modernizaram. O aparato repressor do Estado continua a serviço das elites, e
vem buscando uma aproximação com a população das periferias, sobre tudo do povo
negro, com objetivo de controle e disciplina, a fim de mitigar qualquer
movimento que venha questionar, ou por em risco o controle do Estado.
4. A
Criminalização do Negro e os Reflexos na Educação
A
educação aos negros após a abolição, conforme Azevedo (1987) foi restrita ao
disciplinamento e neutralização da questão racial. De acordo com o percurso
expostos, nota-se que não houve grandes alterações nesse quesito, as
dificuldades da efetivação Lei 10.639/2003, que determina a obrigatoriedade do
ensino da história e cultura afro – brasileira nas escolas (CAETANO;
NASCIMENTO, 2012) é um exemplo que as políticas de avanço para população negra,
acompanham várias limitações em seu desempenho. Entretanto, é nítido também,
que enquanto as políticas públicas e de ação afirmativa apresentam limites em
sua implementação o Estado penal orientado para aos negros não encontram
grandes obstáculos em sua concretização, alcançado o nível mais ínfimo da
sociedade.
Sendo
assim, como explicita Moura (1988) o processo de modernização no Brasil,
ocorreu sem mudança social, em que os negros escravizados não foram inserido na
dinâmica do capitalismo. Restando a esse seguimento fora do mercado de
trabalho, sem terra, sem teto e sem acesso a educação e saúde :
Quem atualmente ocupa as favelas, invasões, cortiços, calçadas à noite,
áreas de mendicância, pardieiros, prédios abandonados, albergues,
aproveitadores de resto de comida, e por extensão marginais, delinquente,
ladrões contra o patrimônio, baixas prostitutas, lumpens, desempregados,
horistas de empresas multinacionais, desempregadas, alcoólatras, assaltantes,
portadores de neuroses das grandes cidades, malandros e desinteressados no
trabalho, encontram –se em estado de semi- anomia. (MOURA, 1988, p. 9)
A
malha penal, portanto, inova-se a fim de conter as consequências de um
desenvolvimento socialmente e racialmente desigual. Uma das estratégias eficaz
foi à criminalização da pobreza, através da vigilância, cerceamento da
”liberdade” e eliminando alguns pobres, estes oriundos do povo negro. Portanto,
a ascensão do Estado penal desde a era colonial ao mundo moderno foi, e é
essencial para garantia da ordem burguesa estrutural e institucional racista.
Trazendo o “castigo” e a vigilância como solução para questão sócio – racial.
O sistema penal
da Republica já nasce pontificado pela sua eficácia estrutural com repressor da
criminalidade; seus objetivos ocultos, ideológicos, eram configuradores e
seletivos quanto as ilegalidaes populares. A ideologia do trabalho, neste
processo de ideologização, desempenho uma função importante nos discursos
jurídicos.(BATISTA, 2003, p. 59)
Tais
questões se intensificam com a ascensão do neoliberalismo, em que direitos
sociais que historicamente foram negados ganham roupagem de estimulação a
ociosidade e preguiça (IAMAMOTO, 2009). Renova-se assim, as práticas de
imobilismo racial, e os obstáculos encontrados por negros para inserir-se na
engrenagem do sistema. Ou, seja o capitalismo se apropriou e inovou as desigualdades
da era colonial, sendo também inerentes a esse sistema.
“A
criminalização do modo de vida da população negra ganha novo folego seguindo
com as principais balizas da intervenção penal” (FLAUZINA, 2006, p. 85). De
acordo com Flauzina (2006), o projeto liberal tornou-se projeto policial direcionado
a vigilância e controle cada vez mais incisivo do modo de vida negro. A
focalização mais modernizada da política penal, aos guetos negros, tem bases na
“Guerra as Drogas”, convertida em uma guerra contra o pobre, calcada na
formação de um país estruturalmente racista. Segundo Waccquant (2007) a “guerra
às drogas” corresponde a um fenômeno mundial responsável pelo encarceramento em
massa de negros oriundos das periferias urbanas. No Brasil, a política de
combate a drogas inicia-se durante o
desenvolvimento de sua industrialização em meado da década de 1920
(MACHADO; BOARINI, 2013), postergado até dias atuais.
A
forte influência dos Estados Unidos na onda neoliberal foi significante para
extensão da malha penal no Brasil. Neste sentido, Wacquant (2007) ao analisar a
gestão da miséria dos Estados Unidos através da penalização dos pobres em Punir
os Pobres: A nova gestão da miséria nos Estados Unidos, em especial, o
gueto negro, traz importantes contribuição para compreendermos a lógica de exaltação
dos mecanismo repressores.
O desdobramento
dessa política estatal de criminalização das consequencias da pobreza
patrocinada pelo Estado opera de acordor com duas modalidades principais. A
primeira, e menos visível, salvo para o diretemente afetados por ela. Consiste
em reorganizar os serviços sociais em instrumento de vigilância e controle das
categorias indóceis à nova ordem econômica e moral. (WACQUANT, 2007, p. 211)
O
Estado Penal além de significar coerção aos seguimentos subalternizados, para
exercer de forma mais ampla e eficaz controle dessa população, assume também o
papel de mediador de conflitos e pedagógicos, através da inserção de Militares
na Educação e a atuação juntos aos estudantes, corpo profissional e as famílias
(ZANELLA, 2015). Visa assim, aproximar-se cada vez mais das periferias
exercendo uma vigilância de uma forma mais sutil, influenciando assim na
subjetividade dos sujeitos.
Este investimento
político do corpo está ligado, segundo relações complexas e recíprocas, à sua
utilização econômica; é, numa boa proporção, como força de produção que o corpo
é investido por relações de poder e de dominação; mas em compensação sua
constituição como força de trabalho só é possível se ele está preso num sistema
de sujeição (onde a necessidade é também um instrumento político cuidadosamente
organizado, calculado e utilizado); o corpo só se torna força útil se é ao
mesmo tempo corpo produtivo e corpo submisso. Essa sujeição não é obtida só
pelos instrumentos da violência ou da ideologia; pode muito bem ser direta,
física, usar a força contra a força, agir sobre elementos materiais sem no
entanto ser violenta; pode ser calculada, organizada, tecnicamente pensada,
pode ser sutil, não fazer uso de armas nem do terror, e no entanto continuar a
ser de ordem física.(FOUCAULT, 1977, p. 29)
5. Intervenção
Militar na Educação
Através
de parcerias, por meio das Secretárias de Educação e Secretarias de Segurança
Pública, são estabelecidos convênios entre as escolas e Policia Militar, no
intuito de proporcionarem estreitamento de relações dessas instituições (PM-ES,
s/n).Por meio
desses convênios surgem as chamadas Patrulhas Escolares, que constituem
em duplas de policiais de ambos os sexos, devidamente caracterizadas, responsáveis
por fazer o acompanhamento de escolas públicas das periferias urbanas, com
objetivo de prevenir o processo de repressão de crimes e atos infracionais,
conforme explicita Silva (2010). Ainda, segundo o autor, as Patrulhas
Escolares, são direcionado as escolas de bairros marginalizados, e consequentemente
com maior presença de negros. Os professores então se comprometem com a
política de controle dessa população, como aponta Wacquant (2007):
Com o auxilio da
caixa de ressonância das mídias, essa “explosão” de “violência” serve para
justificar a “parceria escola- polícia” que originalmente a gerou
e o comprometimento do corpo docente dos bairros decadentes da periferia urbana
nas missões de vigilância e repressão da policia. (WACQUANT, 2007, p. 71)
Observa-se,
que por meio dessa intervenção nas escolas, soma-se a figura coercitiva da
Polícia Militar ao carater pedagógico, em que atua no disciplinamento das
massas. Cabendo, inclusive, a patrulha escolar desenvolver atividades
educativas com alunos e seus responsáveis, assim como, mediar conflitos dentro
da instituição (SILVA, 2010).
Em
2014 a Patrulha Escolar no Espírito Santo desenvolveu atividades como Patrulha
da Alegria, que teve a proposta de interação entre a Policia Militar e a
comunidade que esteve inserida; realizaram palestra com os alunos e com os
pais; e atuaram também na mediação de conflitos entre os alunos, de acordo PMES
(s/n). Outra forma de inserção de
Militares nas Escolas, foi através do Programa Educacional de Resistência às
Drogas – PROERD, implantado no Brasil em 1992 pela Polícia Militar do Rio de
Janeiro, sendo este adaptação do Drug Abuse ResistenceEducation - D.A.R.E,
criado nos Estados Unidos[2].
Este programa tem o objetivo dispor de Policiais Militares nas escolas para
instruir os alunos a uma política antidrogas:
Isto é, sua
orientação vai de encontro à política proibicionista e nas medidas de
abstinência, busca ensinar as crianças a resistirem a situações que as coloquem
em contato com substâncias, bem como, situações de violência e pressão
psicológica. (DUARTE; FRANÇA; DE SOUZA; SCARDUA, 2016, p. 5)
Programa como o PROERD e a Patrulha Escolar em que
acrescenta na figura militar o papel de educador são mais uma forma encontrada
pelo Estado de criminalizar e estigmatizar os negros, através de uma leitura
acrítica de várias expressões da Questão Social que trabalham. Segundo Duarte;
França; De Souza; Scardua (2016), o PROERD incentiva os alunos a se afastarem
de usuários de drogas, ou de quem comete delitos, através de um viés simplesmente
moralista, contrastando assim, diretamente com a realidade do seu público,
quando se trata de escolas públicas em bairros decadentes, essencialmente, quando
falamos do povo negro, considerando que a marginalização é fruto de um processo
estrutural e histórico, em que os negros ainda hoje são expoentes nos bolsões
de pobreza do País.
Nota-se,
assim, que o Estado tem ampliado seu braço penal, inclusive, nos nível básico
de ensino, visando trabalhar a subjetividade população negra e periférica,
através da disciplina e imposição dos valores burgueses, para “garantia da
ordem”. E paralelamente, cansensua-se a criminalização da pobreza e sua consequência
via ensino, por meio da culpabilização dos sujeitos que destoam da moral
dominante. O Estado ao acoplar a Polícia Militar a ensino, não tem o intuito de
promover a educação, mas reforça uma cultura de obediência (SILVA, 2010).
Verifica-se uma busca do aparelho penal por uma relação mais harmoniosa com as
periferias através da escola, a fim de canalizar os conflitos, consensuar uma
imagem satisfatória do Estado penal, através da subordinação ideológica de
forma que não toque apenas os corpos (FOUCAULT, 1977).
Importante
frisar que, na maioria das vezes as comunidades onde se faz presente o Estado
Penal, a uma ausência de Políticas Públicas. Principalmente com o enxugamento
cada vez maior do Estado social, promovido pela ideologia neoliberal. Desse
modo, os aparatos penal torna-se uma das formas mais presente de sua
representação para a população negra oriunda das periferias.
Esse setores
vulneráveis, ontem escravos, hoje massas marginais urbanas só conhecem a
cidadania pelo seu avesso, na trincheira auto - defensiva da opressão dos
organismos do nosso sistema penal.(BATISTA, 2003, p. 57)
Como
afirma (SILVA, 2010) a inserção da polícia militar nas escolas, principalmente
quando retomamos ao seu histórico desde a formação no Brasil, nos possibilita
compreender que há um “comportamento que deve ser controlado”. Pode-se
acrescentar na analise do autor, a partir do que foi explicitado, que tal
comportamento pertence
prioritariamente ao modo de vida da população negra das periferias,
sendo, estes os principais “beneficiários” e quase exclusivos do “zelo”
policial e da generosidade penal recente do Estado (WACQUANT, 2007).
Entretanto,
a partir das reivindicações do movimento negro, foi criada uma estratégia para
estimular o debate racial durante a formação escolar da população brasileira
que acessa a rede pública e privada de ensino. Sendo uma ferramenta que poderia
ser usada também para desmascarar as relações racistas no ambiente escolar. Além
de desconstruir a história mentirosa que é contada sobre o passado do povo
negro e a formação do Brasil. Ou seja, a modificação da Lei 9.394/1996 para a
Lei 10.639/2003[3]
é um desses exemplos, caso fosse realmente implantada poderia ser um dos
caminhos para avançarmos na luta contra o racismo no ambiente escolar, e
consequentemente em outras áreas da vida humana.
O currículo
oficial brasileiro possui referencial europeu em sua constituição, o que nos
leva a analisar que, todos nós, cada um em seu momento escolar, dedica-se ao
estudo da colonização da América, das grandes guerras mundiais, da guerra fria,
Napoleão, Hitler, Mussolini, continente europeu, asiático etc, mas ignora a
formação do povo brasileiro em si, diante do silêncio acerca da História e
Cultura da África e História Indígena. (BARRETO; RODRIGUES; SISS, 2013, p.37)
Condicionar
também ao negro o direito de apropriar-se de sua história pode ser uma das
formas de empoderar um povo contra o atual contexto social de neocolonização
que tem sido reformulado de modo ainda mais severo. Ora, no que estamos nos
referindo como, ambiente familiar preserva “o ritual pedagógico do silêncio”,
que ao longo da história tem ocultado dos currículos escolares a história de
luta dos negros na sociedade brasileira e no mundo. O que favorecer o controle
desta população, em que os prestígios históricos são dados aos brancos e as
forças armadas.
As
relações racistas dentro do ambiente escolar também representam outra forma
excludente de manter o negro afastado desse meio, como a Cavalleiro (2012)
apresenta que os profissionais de ensino mesmo de forma indireta ou até mesmo
direta como em muitos casos, “não se sentem responsáveis pela manutenção,
indução ou propagação do preconceito”, mas os mesmos, culpabilizam as vítimas
por enfrentarem essa situação.
Assim, mais uma vez na história, o negro é imputado por ter que
enfrentar cotidianamente o racismo.
Ainda
segundo Cavalleiro, o racismo enfrentado pelo negro é um dos motivos para a
evasão escolar. A escola que teria como objetivo representar um espaço de
fortalecimento contra o genocídio tem sido por diversas razões um reformulador
da opressão racial, entre elas o racismo dos colegas de classe e professores
brancos o motivo pelo qual o negro é cobrado a ser “duas vezes melhor”.
A
escola, penso representa um espaço que não pertence, de fato, a criança negra,
pois não há sequer um indício de sua inclusão, exceto a sua presença física.
Ali, ela é destruída de seus desejos e necessidades específicos: reconhecimento
da sua existência e aceitação como indivíduo negro, provimento de alternativas
que lhes possibilitem um sonhar com futuro digno. (CAVALLEIRO, 2012, p. 100)
6. Conclusão
Ao
longo da história foram construídos caminhos que resultassem em ciclo vicioso
de fracasso nas famílias negras. A mesma de acordo com o exposto vem sendo
condicionada a acessar as piores formas de reprodução da vida humana. As
políticas voltadas para população negra, como vimos tem sido prioritariamente a
de penalização da vida, em que estas são culpabilizadas pelos seus sucessos e
insucessos, de modo a desconsiderar as barreiras que foram erguidas para
impedir a sua inserção, tanto durante a era colonial, como no período de
modernização e consolidação do capitalismo no Brasil, segundo Moura (1988) uma
modernização que não houve mudança social. O capitalismo no Brasil foi uma nova
roupagem para manutenção da estrutura de castas. Os negros, então, são o
fragmento da classe trabalhadora mais atingida, pelas contradições e crises do
capital. A falta de acesso à educação, junto a baixa qualificação, os torna, ou
melhor, os mantem possuidores da mão de obra mais barata. Tal questão é de
interesses das Elites, pois estes formam um aglomerado de trabalhadores
sobrantes, podendo os patrões realizar o recrutamento tranquilamente e os
substituindo sempre achar necessário (WACQUANT, 2007).
A
alfabetização dos negros e a intervenção militar nas escolas, pode ser
entendida como mais um das estratégias das classes dominantes de garantir
controle desta população, pois ao manter um povo sem os conhecimentos letrados
é possível limitar sua participação política, econômica, social e cultural.
Junto à inserção da figura do
policial também como educador garante-se também o ideal de ordem
pública, como a segurança da propriedade privada, por meio do controle físico e
simbólico dos corpos negros.
As
políticas de policiamento escolar em detrimento das políticas educacionais não
visam à promoção da educação, mas, sobretudo o controle. A intenção da
ampliação do espaço de atuação dos ostensivos penal para além das ruas,
principalmente sem qualquer mudança positiva na vida da população negra, neste
sentido, não é de promover educação ou sua segurança, mas ao contrário, se com as
periferias repletas de policiais os que estão se garantindo é o aumento
condutas ilícitas e consequentemente maiores repressão e encaminhamento aos
judiciários, como afirma Waccquant (2007). Essa interação promovida por
programas como PROERD e Patrulha escolar, reafirmam vários estereótipos,
estigmatização e perpetuação da criminalização do modo de vida negra.
O
projeto de educação que substancia o analfabetismo negro e de militarização
escolar voltado a esse público, além de reforçar os aspectos apontados, podem
influir na imagem que o próprio negro tem de si, do espaço em que vive e de
suas relações, através de uma analise acrítica e histórica da realidade. Tais
elementos contribuem para uma busca, muitas vezes frustrante, do ideal branco e
hegemônico, pois os negros tem contra si toda estrutura de controle do estado.
Desta forma, a efetivação da 10.639/2003 seria um avanço para os negros, que
teriam direito ao acesso a suas histórias, desmistificando assim o ideal de
branqueamento e o mito da democracia racial.
REFERÊNCIAS
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[1]
As imagens decorrentes desta postura otimista em relação ao futuro de um país
em que predominariam descendentes de europeus deixam a impressão de um espécie
de paraíso racial brasileiro, onde a miscigenação embranquecedora ocorria e
continuaria a ocorrer livre e fartamente, sem quaisquer restrições (legais ou
de costumes) e em todas as camadas socais.
[2]
Em 1983 o Departamento de Polícia de Los Angeles promoveu um movimento de
discussão acerca do uso abusivo de drogas e das condutas criminosas
relacionadas a ela que atingiam fortemente a sociedade norte-americana,
surgindo então o D.A.R.E, que de acordo com a ONG intitulada DARE América, o
programa atualmente é implantado em 49 países. (D.A.R.E., s/n citado por
DUARTE; FRANÇA; DE SOUZA; SCARDUA, 2016)
[3]
"Art. 26-A. Nos estabelecimentos de ensino fundamental e médio, oficiais e
particulares, torna-se obrigatório o ensino sobre História e Cultura
Afro-Brasileira." (PRESIDÊNCIA DA REPUBLICA, 2003, s/n)
[i]
Graduanda do Curso de Serviço
Social na Universidade Federal do Espírito Santo - UFES e bolsista do Programa
de Educação Tutorial de Serviço Social.
[ii]
Graduanda do Curso de Serviço
Social na Universidade Federal do Espírito Santo, militante do movimento negro
e bolsista do Programa de Educação Tutorial de Serviço Social.
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