sexta-feira, 14 de abril de 2017

RACISMO: A hiperssexualização do corpo negro uma reflexão necessária




RACISMO: A hiperssexualização do corpo negro uma reflexão necessária

“Se escolhe dedicar minha vida a luta contra a opressão, estou ajudando a
transformar o mundo no lugar onde gostaria de viver” bell hooks

Por: Jean Gomes – Irmandade Sankofa

O racismo no Brasil e no mundo se apresenta de inúmeras formas, seja explicitamente ou de forma velada, para tal, entre as faces do racismo podemos sinalizar algumas: Epistemicídio (a ausência e negligência de uma educação formal de qualidade que possibilite uma mobilidade intelectual e social desses sujeitos, de forma que potencialize suas capacidades cognitivas. Infelizmente a educação é ofertada em doses homeopáticas acarretando na manutenção do conhecimento científico e do status qua de um determinado grupo não negro ao longo do percurso histórico. Além de não apontar dentro da academia e bancos escolares a presença de referenciais negros e negras na produção do conhecimento, ou seja, a criança especificamente não se reconhece nesse contexto, fator que contribui também para o complexo de inferioridade desses sujeitos); Feminicídio (assassinato e violência da mulher fruto do machismo e da sociedade patriarcal. Segundo dados do Instituto de pesquisa Aplicada – IPEA há 13 casos de homicídio contra a mulher por dia no Brasil. No ensejo do dia Internacional da Mulher o banco mundial publicou um relatório intitulado: Como é ser mulher no maior país latino-américano?[i] Em que, essencialmente as mulheres indígenas e negras estão mais vulneráveis a violência de gênero, e no mercado de trabalho as mulheres negras ainda estão em situação de desigualdades em relação às mulheres brancas e homens); Genocídio do povo negro (morte física do corpo negro; extermínio deliberado; dados levantados pela Anistia Internacional[ii] indicam que mais de 30 mil jovens são assassinados por ano no Brasil, sendo 77% negros, na faixa etária entre 15 e 29 anos).  Além do fetiche estereotipado por esse corpo negro que por ora é paradoxal.          
            Isto posto, a reflexão necessária que propõe esse texto é pensar sobre as contradições do corpo negro sobre a ótica, concepção e interpretação das pessoas. Ponderar sobre o que está internalizado no imaginário social dos indivíduos. O corpo que por ora é enaltecido aparentemente de forma positiva é o mesmo corpo que é aniquilado e exterminado em todos os sentidos pela supremacia branca. Sendo por vezes silenciadas e naturalizadas essas mortes. A questão que nos cabe é refletir sobre até onde essa hiperssexualização do corpo negro tem uma carga de empatia? Será que além dessa obsessão pelo pênis há a capacidade de se colocar no lugar do outro? De se sensibilizar? Você até elogia e se regozija com corpos de homens negros, mas você se incomoda, indigna-se com suas mortes em massa? Não há um tom de ironia nisso?
Ocorre que, essas mesmas pessoas, considerando até as mulheres negras, as quais refletem o racismo em sua linguagem e ações, mas é bom frisar aqui que o negro e negra não é racista com outro negro (a), apenas reproduz o racismo que foi internalizado em seu consciente historicamente. Talvez essa reeducação só ocorra com a tomada de consciência de si mesmo e da sua condição no mundo. Todavia, especialmente mulheres brancas que objetificam esses corpos, e não é qualquer corpo, sendo fitness em sua maioria, os “negões” ou “pretinhos do poder”, entretanto, poder esse que sutilmente é extremamente perverso ao forjar e reforçar a idealização de um homem mais forte psicologicamente e fisicamente, diríamos até que onipotente tendo a vanguarda do corpo eroticamente desejado, aquele sexualmente quente e “picudo”.
É interessante avaliarmos se esse fetiche “involuntário” sobre o corpo negro não reforçaria o machismo e sentimento de superioridade frente às mulheres? Pois, via de regra o pênis nessas circunstâncias se caracteriza como o ápice e símbolo da hegemonia masculina. Algumas expressões comumente utilizadas, bem demonstra: “piroca do negão”; “negão do WhatsApp”; “pegada do negão”; entre tantas outras que da um panorama e noção da condição de sujeitos elevados, alados.
Essa impulsiva reação de cobiça pela estética negra se apresenta em espaços e lugares, marcando acentuadamente e condicionalmente cada corpo. Não obstante, pessoas que desenvolvem um discurso sobre o corpo negro salvaguarda na retórica, por vezes não conseguem distanciar do arquétipo uno idealizado, ou seja, habitualmente é comum ouvirmos falas “você é estiloso”, “você é bonito”, mas deveria malhar um pouco, determinando um paliativo para aquele corpo que por um notável detalhe ainda não está perfeito.
Para tanto, a observação que se faz é sobre a negligência com esse corpo que, sobretudo é político. Sabemos que a militância e ativismo não devem ser forçados e que ninguém é obrigado a tal. Mas, em contrapartida não podemos corroborar com essa prática que sustenta e alimenta o racismo em suas estruturas cruéis, a qual anula e fragmenta o corpo negro ao órgão sexual masculino de maneira a degradar com roupagem romântica e falsa afetividade. Sobre isso bell hooks diz “A arte e prática de amar começam com nossa capacidade de nos conhecermos e afirmar”, para isso, é preciso destruirmos isso tudo e nos educarmos interiormente.
Desse modo, compactuarmos com essa lógica “corpo-destruição” seria extremamente insensato, incoerente e de longe irresponsável com o nosso povo. Assim, se você não é capaz de mover uma palha, ao não naturalizar as vidas negras, de se indignar com as mortes da chacina cabula, da chacina de Osasco, da morte de Claudia Ferreira, do desaparecimento do Amarildo, da ação truculenta da Caatinga assassina, da prisão racista de Rafael Braga e do encarceramento sumario do povo negro. Você não tem respaldo nenhum para deitar com um corpo negro. Você vive literalmente ao encontro do pensamento Freyriano sobre o mito da democracia racial.
Portanto, o corpo negro é lugar sagrado que emana por amor, justiça e sobrevivência.







[i] http://www.worldbank.org/pt/news/feature/2017/03/08/ser-mujer-brasil
[ii] https://anistia.org.br/campanhas/jovemnegrovivo/










quinta-feira, 13 de abril de 2017

ENTRE CULTURAS: A FILOSOFIA QUE DESCOLONIZA OLHARES E PENSAMENTOS.



Por: Mirian Fonseca[i]



Ori eni ni Um ´ ni J´oba.

(A cabeça de uma pessoa faz dela um rei- provérbio Iorubá)



Resumo:


Este trabalho tem como principal objetivo trazer a discussão da filosofia africana como um instrumento de transformação e reconstrução de conceitos que coloca apenas o pensamento europeu como legítimo, para que possamos aceitar que cada povo tem seu jeito de filosofar, buscaremos mostrar através de pensamentos de alguns pensadores modernos como a filosofia é colonizada, e como os diálogos e compreensões entre as culturas descolonizam olhares e pensamentos, para que assim, mostre a importância do estudo da filosofia africana.



Palavras-chaves: Filosofia, colonizada, culturas, pensadores.



Introdução


Filosofar é refletir sobre a experiência humana para responder algumas questões fundamentais a seu respeito. A partir desta definição apresentada pelo filósofo Joseph I. Omoregbe (1998) podemos compreender a importância do pensamento africano que é ensinado de forma colonizada para a sociedade brasileira, para isto será levado em consideração que cada povo tem sua forma singular de produzir filosofia. Compreender a filosofia africana é apresentar um novo conceito desse pensamento que é construído de uma forma enriquecedora que resgata a ancestralidade e é baseada na oralidade e na compreensão dos povos, logo não podemos negar a importância das contribuições do continente africano na formação da filosofia africana. Este artigo não visa discutir o nascimento desta ciência, pois todas as culturas contribuíram de forma significativa, direta ou indiretamente na sua construção, o objetivo é mostrar que desconhecemos as formas de filosofia que não estejam dentro do padrão apresentado, o grego europeu. E por isso negamos outras formas de pensamentos. Desta forma, buscaremos elencar e mostrar como uma filosofia que é construída pelo resgate cultural e como o conceito do cosmopolitismo dialoga com isso, para assim, poder enxergar o quanto é válida essa construção para a valorização da cultura negra em todo país.



A filosofia que descoloniza olhares e pensamentos.


Construída diante de uma dominação colonial e imperial, a filosofia era utilizada para justificar as barbáries cometidas em nome de uma determinada civilização que se utilizava do seu poder político e epistemológico para inferiorizar povos que eram considerados incapazes de filosofar. Adilbênia Freire Machado em seu artigo, Filosofia africana para descolonizar olhares: perspectivas para o ensino das relações étnicos-raciais, afirma que a filosofia era utilizada para justificar e enaltecer a colonização e o imperialismo, usurpando conhecimentos, inferiorizando os latinos americanos e principalmente os negros africanos e posteriormente os afro-descentes. ( MACHADO, 2014 p.3). Compreender a dominação da Europa sobre a filosofia é entender que mesmo com as grandes influências econômica do continente africano na sua formação, do qual foi subjugado pelos mesmos como uma raça sub-humana que não poderiam ter nenhum tipo de poder intelectual, esses relatos foram utilizados por filósofos como Immanuel kant, David Hume, Friedrich Hegel e Karl Marx, com destaque para Hegel que está entre os filósofos que mais negaram a qualquer capacidade intelectual do africano; na sua obra ´´filosofia da história´´, declarou a África como um papel em branco, contra qual o poder ia comparar toda a razão’’( MACHADO, 2014 p.3) e ainda classificou o continente africano como o país da infância, de uma forma negativa como se a criança não tivesse capacidade de discernimento de conhecer, apenas de fazer o que os outros mandam. Kant segundo o autor entendia que cor de pele evidenciava a capacidade ou ausência de raciocínio, ou seja, os africanos eram incapazes de produzir conhecimentos (MACHADO, 2014).

Esses filósofos refletiam os ensinamentos da sua época que eram baseados na desvalorização da raça negra, ou seja, podemos contextualizar esses conceitos apresentados como racismo epistemológico, que trata da não consideração das contribuições não ocidentais, ou seja: O racismo epistêmico ou epistemológico é uma das dimensões mais perniciosas da discriminação étnico-racial negativa. Em linhas gerais, significa a recusa em reconhecer que a produção de conhecimento de algumas pessoas seja válida por duas razões: 1º) Porque não são brancas; 2º)Porque as pesquisas e resultados da produção de conhecimento envolvem repertório e cânones que não são ocidentais. (NOGUEIRA, 2015). Como apresentado pelo filósofo brasileiro Renato Nogueira, em uma entrevista para a carta capital.

Deste modo, se faz necessário descolonizar nossos pensamentos já que filosofar faz parte da construção intrínseca humana, a filosofia é um produto do conhecimento e da cognição (MACHADO, 2014 p.4) , então é necessário perceber a importância que o continente africano teve na formação desta ciência para se buscar uma descolonização e valorização da mesma. Descolonizar a filosofia compreender a importância dos outros pensamento, criados por outros povos, com destaque para o africano que desde sempre foi colocado na periferias dos pensamentos e fazer com que o pensamento se torne independente e se estabeleça um determinado dogma, ou seja, podemos dizer que: Descolonizar a filosofia implica seu ressignificar, em que ela apareça a serviço da ética, em que o indivíduo seja o bem maior e não os interesses políticos de países e classes sociais que intentam obter todo o poder possível, seja ele econômico, social, político e/ou cultural. Em que a imposição aparece como um dos sinônimos da filosofia. Esse ressignificar o olhar implica valorizar o que somos, implica reconhecer o outro e, assim, ir de alcance à alteridade. (MACHADO, 2014 p.5).

Já que precisamos ressignificar o pensamento, para descolonizar os nossos olhares, então precisamos saber a importância da filosofia africana que é construída através da ancestralidade e da preocupação com a coletividade dos indivíduos. ‘’Filosofar, educar ouvindo e citando mestres de capoeira, samba, maracatu, referindo-se aos heróis do cotidiano, aos mais velhos de cada lugar em meio aos renomados nomes da história da filosofia, da educação, ou seja, aqueles que se arrogam o direito de falar, pensar e criar conceitos, conhecimento. (MACHADO, 2014 p.5) Ou seja, é buscar a importância do resgate cultural que este pensamento tem em grande influencia para a construção  e colaboração da criatividade de uma pessoa.

A importância da filosofia africana é entendida a partir do momento em que se é compreendida a sua origem. Para isso, podemos fazer um paralelo com um conceito do cosmopolitismos, questionado e defendido pelo filósofo africano moderno, Kwame Anthony Appiah. Ele afirma que, precisamos encorajar um diálogo entre culturas para uma melhor compreensão das produções do outro, para Kwame um diálogo intercultural cosmopolita é aquele que nos tratamos como cidadãos de um mundo compartilhado, e, portanto dignos de respeito mútuo, isso significa que não podemos discordar.’’(APPIAH,2013,p.3), o autor ainda completa que; ‘’não podemos achar que nós temos todas as respostas, seja lá quem seja esse nós. Temos de nos colocar em um diálogo no qual imaginamos que podemos aprender com o outro.’’ (APPIAH, 2013,p.3), este paralelo pode ser feito pois a ‘’ filosofia africana contemporânea tem a cultura como eixo significante na sua constituição, é fruto da experiência, é aquela filosofia feita não apenas por filósofos africanos, mas também por aqueles que estão implicados em direcionar sua atenção aos problemas dos africanos, sejam os nascidos na África’’ ( MACHADO, 2014 p.6), desta forma, a filosofia nos ensina a resolver problemas, concepções de vidas , suas culturas, crendices, mitos, poesias , modo de pensar e refletir a vida.

Vale ressaltar que a filosofia africana contemporânea é baseada em alguns ensinamentos e está dividida em etnofilosofia. Que é a relação da filosofia com a cultura e considera a sabedoria coletiva como ontológico em hipótese geral; Sagacidade filosófica, onde encontramos o sistema de pensamento que se encontra baseado na sabedoria e nas tradições dos povos e das relações da pessoa com a comunidade; Filosofia nacionalista/ideológica, é a filosofia política, que busca pelas correntes de interesses afim de responder alguns problemas enfrentados pelo africano no continente; Filosofia literária/artística onde se preocupa com as produções literárias daqueles que refletiam, questões críticas; e a filosofia hermenêutica, responsável por fazer uma análise das linguagens e se preocupa com a interpretação da mesma.



Considerações finais


A filosofia responsável por descolonizar olhares e pensamentos, é uma filosofia que busca fazer um resgate cultural e que se preocupa com o outro e sua real essência. Buscar esses diálogos multiculturais é fortalecer leis existentes no Brasil, como por exemplo, a lei 10.639/03 que garante o ensino de história afro brasileiras nos currículos escolares, e é uma das formas de valorização da cultura africana. Portanto, podemos concluir que este artigo teve um papel importante e de grande relevância, demonstrando o quanto se faz necessário buscar referências que não estão enquadradas em nossos currículos escolares a fim de conhecer e descolonizar nossos olhares e pensamentos sobre uma determinada cultura.























REFERENCIAS:



APPIAH, Kwame Anthony . Descolonizando os livros de história . Entrevista a guilherme

freitas. prosa e verso, o globo, 2013. Disponível em

<http://blogs.oglobo.globo.com/prosa/post/kwame-anthony-appiah-fala-sobre-representacaoda-

africa-no-ocidente-481076.html> Acesso em 15 de fev 2017.

MACHADO, Adilbênia Freire. Filosofia africana que descoloniza olhares e pensamentos:

Perspectivas para o ensino das relações étnicos-raciais . Revista de educação ciência e

tecnologia, canoas, v3, n1, 2014. Disponível

em:<http://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/adilb%C3%AAnia_freir

e_machado_-_filosofia_africana_para_descolonizar_olhares._perspectivas_para_o_ensino_da

s_rela%C3%A7%C3%B5es_%C3%A9tnico-raciais.pdf> Acesso em 10 de fev 2017.

NOGUEIRA, Renato . Afroperspectividade: Por uma filosofia que descoloniza . Entrevista

a carta capital . Disponível em: <

http://negrobelchior.cartacapital.com.br/afroperspectividade-por-uma-filosofia-que-descoloni

za/> acesso em 10 de fev 2017.




[i]  Discente curso técnico em petróleo e gás natural , do Instituto Federal da Bahia - Campus Simões Filho. Ativista , poeta, apaixonada por arte











quarta-feira, 12 de abril de 2017

Aquilombamento e Militância: As insurgências Manifestações de Estudantes Quilombolas na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia



                                                                                 
                                                                                  Por: Edna Balbina dos Anjos dos Santos[1]

Nossa luta está bem além daquilo que pode ser visto de fora. Somos um só povo, mas com faces diversificadas, fato que pode de algum jeito contribuir para nos separar.

  Introdução 
 A proposta deste trabalho é discutir os conceitos referentes a comunidades quilombolas tradicionais no decorrer do tempo no contexto em que valores foram modificados quando as considerações sobre o quilombo variou de marginalidade a resistência. Alem da discussão sobre conceitos iremos adentrar argumentos sobre a formação das comunidades e a consciência de seus atores visto que estão atentos às condições que lhe são impostas pelo Estado, quando considerado este detentor da herança colonialista. Junto a isto buscaremos uma análise a cerca do movimento social criado pelos quilombolas estudantes da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, UFRB. O artigo compromete-se ainda em conhecer junto a estes sujeitos sociais e tradicionais como prefiro me referi aos quilombolas, suas expectativas em relação ao propósito do coletivo formado por eles e contribuições prósperas para a realidade de seus semelhantes.

 Conceitos e Formações de Quilombos com o Processo Histórico

       Iniciaremos nosso trabalho com reflexões a cerca de concepções criada e pensada no decorrer da história sobre a definição de quilombo. De acordo com Almeida, as definições jurídicas sobre os quilombolas estavam sempre incorrendo para torna-los seres á margem da civilização e na fuga de cultura, onde os negros quilombolas, herdeiros da escravidão viviam distante de tudo e de todos na intenção da vida ociosa e do autossustento plantando apenas para consumo próprio (Almeida, 2011, pag. 60).
     Na descrição feita ao rei de Portugal no ano de 1740, o Conselho Ultramarino definiu um quilombo como sendo: Toda habitação de negros fugidos em partes despovoadas ainda que não existam ranchos ou pilões neles (Apud Almeida, 2011).
 Os primeiros registros de quilombo no país foram no século XVIII, no ano de 1559 (Silva, 2015).
     O decreto de lei n° 4887/03, em seu 2° artigo define povos quilombolas como: grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (Diário Oficial da União, edição 227 de 21/11/2003).
     Para Abdias do Nascimento, a ideia de quilombo discrepa das pensadas anteriormente, o autor conceitua o quilombo como o lugar de vivências/experiências do povo negro, espaço de produção de saberes e porque não compreender como lugar de resistência: Quilombo não significa escravo fugido. Quilombo quer dizer reunião fraterna e livre, solidariedade, convivência, comunhão existencial. Repetimos que a sociedade quilombola representa uma etapa no progresso humano e sociopolítico em termos de igualitarismo econômico (Nascimento, 1980).
    Os conceitos de quilombo atribuídos anteriormente nos remete a uma variação de ideias aonde notoriamente vem sendo modificado no decorrer da historia brasileira, quando na concepção criada pelo Conselho Ultramarino o quilombo era detentor de algumas atribuições que o caracterizava como tal, pois numa área quilombola era necessário que fosse encontrados alguns atributos para que de fato conceituasse aquele espaço como área de quilombo, em contraposição a isso Beatriz Nascimento diz ser o quilombo uma unidade caracterizado através do tempo, uma vez que, durante sua trajetória serviu de símbolo com conotação de resistência étnica e política (Nascimento Apud Silva).
     É antes de qualquer conceito antropológico ou senão político, fundamental a compreensão da historia ante aquilombamento do povo negro, é importante considerar a historia de colonização para qual o povo africano foi trazido para as Américas que perpassa por analisar o resultado deste processo já que negros trazidos de África foram deixados entregues á sorte nessas terras tendo que criar mecanismos de sobrevivência durante todo processo de escravidão e ainda construir as formas de vida no pós-abolição, já que ilegalizar a escravidão não bastou para libertar a população negra, como aponta Silva, (2015) “é no final do século XIX que o quilombo recebe o significado de instrumento ideológico contra as formas de opressão”. Então podemos caracterizar aquilo que foi definido pelo Conselho Ultramarino como ociosidade ou fuga da vida social, como de fato a forma mais eficaz de resistência criada pela população negra para continuarem vivos, lembrando que com o fim legal da escravidão os negros encontrados pela rua sem ocupação eram presos e açoitados atendendo a lei da vadiagem, medidas que estavam associadas à disciplinarização da mão de obra, para os detentores da lei os recentes homens livre não estariam aptos ao trabalho livre sendo que já estavam tão acostumados à força com que eram tratados (Silva e Mendonça, 2009) e vale ainda as ressalvas sobre o desmonte dos espaços quilombolas que judicialmente eram realizados caracterizando um quilombo como sociedade marginal, pois negros encontrados nesses locais na concepção judicial da época deviam ser capturados para evitar desordem e logo marcado por meio de fogo com a letra F na testa e se já possuísse esta marca fosse então lhe retirada a orelha e entregue o negro ao juiz de direito, havendo a observação de que recebeu tal punição por ser fugitivo e está em bases marginais( Memórias do Distrito Diamantino Apud Almeida, 2011).
    Daí é extremamente importante apontar a relação que o autor faz entre os quilombolas e a utilização da terra, quando relativiza a aplicação da fuga e o uso comum de terras nesses espaços ocupados e a relação de união que os ocupantes do espaço mantinham, existia a organização para o cultivo e manejo da terra sendo que se distanciavam das formas repressoras e subversivas de trabalho para em liberdade plantarem e usufruírem o que a terra oferecia:

O quilombo como uma ação coletiva de moradia, trabalho e luta se opondo não somente aos mecanismos repressores da força de trabalho, mas principalmente à lógica produtiva da plantation. A ação deliberada de fuga desdobra-se num outro elemento estratégico, qual seja, a área de cultivo também designada roça. Assim embora a chamada roça, não apareça como elemento característico destes quilombos, em conformidade com o discurso jurídico que busca legitimá-los como “agrupamentos de vadios, que negam o trabalho”, existe copiosa documentação que enfatiza as áreas de cultivo e demais benfeitorias dos quilombolas (Almeida, 2011).

    Analisar tais observações é procurar mecanismos para entender e respeitar as atuais formas de aquilombamento existentes no Brasil atual e perceber como as políticas de enfretamento da desigualdade entre povos vêm atuando no país. Vejamos que as características atuais de um quilombo ditadas pela Fundação Cultural Palmares, órgão emissor das certificações das comunidades quilombolas são flexíveis quando permite que a própria comunidade compreendida como donas de saber se autodeclarem como quilombo podendo ainda ser certificadas as comunidades remanescentes, ou seja, aquelas que pelo correr do tempo já não se encontre materiais concretos que as caracterize como descendentes de africanos escravizados alem do genótipo e fenótipo presente entre os quilombolas, mas que tenham memórias vivas da historia de vida de seus antepassados, que guardem o saber e o fazer considerando-os como parte da cultura e da construção histórica de seu povo que sofreram maus tratos e resistiram ao processo destrutivo da escravização (Decreto 4887/03). Enquanto no passado o conceito existente de quilombo era com base em cinco elementos para qualificar determinado espaço, sendo eles: 1) Fuga; 2) Uma quantidade mínima de fugidos (que variavam no tempo em que eram determinadas as leis, se tratando do Conselho Ultramarino, era acima de cinco negros reunidos); 3) Distanciamento da civilização e aproximação com a natureza; 4) Ranchos; 5) Existência de pilão (Almeida, 2011). Possivelmente nas novas configurações de quilombos, aqueles ocupados pelos remanescentes de povos tradicionais alguns desses elementos estariam em falta quando considerados os quilombos urbanos, aqueles próximos aos centros e até os que já não guardam materiais como pilões entre os equipamentos de produção na comunidade.
    As comunidades quilombolas ou remanescentes de quilombo como sejam chamadas e reconhecidas pelos seus atores estão por grande parte do Brasil em especial concentradas no nordeste pelo contexto de construção do país onde a mão de obra escrava foi mais utilizada a exemplo dos engenhos do recôncavo baiano que como resultado do processo de escravização tem em seu território grande número de negros popularizando áreas quilombolas, essas comunidades estão muitas vezes em áreas de plantação e cultivo para subsistência, outras são áreas de pesca e mariscagem cada uma com sua forma particular de vida e constituição. Com a chegada da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia para a região do recôncavo, chegam para os espaços acadêmicos estudantes da região do Recôncavo e com esta nova variante de indivíduos  na universidade, chega também para diversificar o modelo universitário um número considerável de quilombolas, filhos remanescentes das comunidades formadas de distintas formas, algumas do período da escravidão outras do pós e o encontro acadêmico admite a troca de experiência, de conhecimento do outro que de forma diferente faz parte da mesma realidade que o EU, nesta relação de trocas de conhecimento a historia das comunidades tem a dimensão de contextualizar as diversas formas usadas para compreender o quilombo desde o período da escravidão até os dias atuais, interligado com a sematologia referente aos quilombos como espaço digno de descongelamento das configurações jurídicas, bem além das ordens da época colonial (Almeida, 2011). No contexto da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), o movimento de estudantes quilombolas representa esta ideia de diferenças entre as comunidades, onde o encontro dos sujeitos tem trazido discussões sobre o espaço de onde vem e de quem são ao tempo que entendem a singularidade no existir de seu povo, conceituam o que há de disparidade entre os mesmos.
    O coletivo de quilombolas universitários surgiu na UFRB no ano de 2015, onde os sujeitos na compreensão do lugar reservado de inferioridade para estes decidiram unir-se para terem sua luta fortalecida, assim em outras dimensões o povo e quilombola está em decreto de minoria dentro da universidade, da mesma forma como negros encontram apoio fundamental dentro do movimento negro atuante na academia os quilombolas se liaram para terem, assim como no movimento negro apoio dos seus semelhantes considerando que a formação do coletivo contribuirá ainda para a entrada e permanência de outros quilombolas que venham a acessar vagas na academia e união para buscar seus direitos, em outras palavras Izabelli, aluna do curso de Ciências Sociais do Centro de Artes Humanidades e Letras (CAHL) nos diz que:

O núcleo quilombola não é apenas isso, é ainda espaço de fortalecimento de laços entre estudantes de distintas realidades e que compartilham os mesmo desafios que vai do plano emocional ao material, dando ao outro força para vencer os obstáculos do mundo universitário cobertos de barreiras impostas por fatores como o racismo institucional, e a força do núcleo consiste justamente em manter-se na academia visto que é um espaço branco, burguês que não pauta a identidade do seu povo enquanto população negra e  identidade étnica, pois no núcleo partilhamos os mesmos ideais (Izabelli).

Quando questionado sobre a importância em criar e fazer parte do coletivo quilombola um aluno do curso de Engenharia de Pesca do Centro de Ciências Agrárias, Ambientais e Biológicas (CCAB), respondeu que:

Os quilombolas pensando nesse lugar e na necessidade de terem um ao outro, criaram seu próprio coletivo na intenção de está no enfrentamento de possíveis demandas ao lado dos outros estudantes quilombolas e unindo forças para construírem um espaço acadêmico que respeitem suas particularidades (João Paulo).
  
    No cenário atual das políticas publicas em referência ao histórico do povo de quilombo, compreendemos as diversas formas de reparo que o governo vem efetivando para ressalvar a historia genocida que a colonização criou para os escravizados. Ser quilombola é ter herdado um passado de dor, coberto de lutas e resistência seguidos de conquistas que ainda deixam a desejar, são muitas políticas de reparação que foram designadas para assistir a tais comunidades, mas que de alguma forma são eximidas e acabam não acontecendo, irei acentuar aqui a política de reparação implantada nas universidades federais, referente a uma bolsa de R$ 900,00 pago pelo Ministério da Educação para alunos quilombolas matriculado nas instituições citadas, como a própria pagina do Ministério da Educação determina essa é uma bolsa de reparação para que esses estudantes se mantenham na academia se afastando das desigualdades que o processo de vida já os qualificou: 

 A Bolsa Permanência é um auxílio financeiro que tem por finalidade minimizar as desigualdades sociais e contribuir para a permanência e a diplomação dos estudantes de graduação em situação de vulnerabilidade socioeconômica (...). Para os estudantes indígenas e quilombolas, será garantido um valor diferenciado, igual a pelo menos o dobro da bolsa paga aos demais estudantes, em razão de suas especificidades com relação à organização social de suas comunidades, condição geográfica, costumes, línguas, crenças e tradições, amparadas pela Constituição Federal (Ministério da Educação).

       Para estes estudantes serem assistidos, devem apresentar documentações que comprovem que são quilombolas e o documento utilizado para tal é a certificação expedida pela Fundação Cultural Palmares. Para os participantes do coletivo a ideia de reparação que o MEC conceitua não chega com tanta ênfase quando eles buscam dentro da universidade acessar os mecanismos de direito, existe alguns quilombolas que ainda não conseguiram dar entrada no auxilio, outros que já tiveram homologação de seus documentos e ainda não receberam nenhuma parcela do auxilio, contando ainda que na liberação dessas bolsas auxílios acontece muitos atrasos o que colabora para que alguns quilombolas pensem em desistir dos estudos ou atrasem o desenvolvimento do semestre por falta de condições de continuarem na cidade, distante de casa já que não tem como manterem seu sustento e os custos da universidade.
E nesse momento a articulação quilombola existe para pressionar a instituição no sentido de buscar uma solução para situações como a citada. O que é possível observar na relação destes estudantes com a instituição é que a ideia de minoria dada para o povo negro não se desvincula do ser quilombola quando ele adentra as universidades, é muito destacada entre eles a ideia de que são esquecidos pela instituição visto que a atenção prestada pela mesma deixa muito a desejar para as demandas que os estudantes apresentam, apesar de está a universidade dentro desse contexto negro do recôncavo repercute muito entre o movimento negro e quilombola a fala de que não se veem representados na grade curricular e daí a necessidade destes sujeitos por compreenderem a importância das reivindicações que levam para o espaço interligarem suas realidades ao contexto universitário.  Ao conversar com Carlene, aluna de Ciências Sociais (CAHL), ela fala sobre esse lugar de fala de seu povo, lugar muitas vezes visto pela academia como invalido, mas que quando é posto por eles, que estão refletindo com a intelectualidade são legitimados por estarem na base da ciência:

 Pois no movimento quilombola abre um espaço pra discussões do nosso lugar de fala, espaço onde o nosso lugar de fala não é negado. É importante também para nos articular e buscar estratégias para resolver demandas nossas quilombolas no espaço acadêmico que por sinal são muitas e importante também para discutir permanência em um espaço que não da a devida assistência a alunos quilombolas (Carlene Santana).

Para Fernanda que está no 7° semestre de Museologia (CAHL), o coletivo garante a efetivação das políticas afirmativas para quilombolas, visto que a articulação do grupo tem força especial já que são demandas próprias e comuns:

A partir do momento que esse grupo cria poder, ele passa a ter maior visibilidade partindo de outros grupos que discutem outras demandas e a instituição em si não é parceira da luta. Falo isto a partir de experiências tidas dentro da universidade em busca de direitos próprios de forma coletiva, onde percebemos a forte desigualdade, por tanto a conquista de reparação por meio das ações afirmativas, requer as articulações advindas da militância e da luta árdua (Antonia Fernanda).

Por seguinte, as considerações destes estudantes, intelectuais negros e quilombolas, formadores da consciência coletiva que tem grande poder para garantir sua existência, dialogam com as ideias expostas por Silva (2015), quando diz que o quilombismo é necessário resguardando nele as normas Palmarinas para criar forças ideológicas onde alem de pontecializar a luta contra o racismo e toda forma de opressão presente no Estado brasileiro se unem para traçar o processo histórico do seu povo e qualificar sua existência enquanto quilombolas na forma de aquilombamento nos espaços em que adentram.

Considerações Finais

     Neste trabalho foi possível expor os conceitos que no decorrer do tempo se encarregaram de classificar o espaço do quilombo. Das formulações presentes aquela que é usada por estes sujeitos para caracterizar suas comunidades está mais próxima a da Fundação Cultural Palmares que define para certificação do quilombo ou remanescente diante do Estado a autoatribuição que para o órgão está à frente de todas as premissas, acima de qualquer identificação que porventura seja manifestada de fora. É importante observar diante dos fatos descritos que os sujeitos quilombolas consideram fundamental a qualidade de autoatribuição que lhes é garantida, visto que esse posicionamento afasta os possíveis percalços causados pelas definições de terceiros.
Outra questão apontada no presente trabalho é o tão importante coletivo quilombola criado dentro do espaço acadêmico por estudantes quilombolas, visto que se caracteriza como um movimento social em meio aos fragmentos acadêmicos, sendo alunos negros alguns destes alunos é integrante do movimento negro de dentro da universidade, veem o desafio da singularidade que representa em suas identidades e decidem por unir forças com outros quilombolas. Nesse contexto de formação de sujeitos críticos, onde os próprios falam de suas demandas e até da morosidade da instituição em atendê-las, percebemos então que a existência de agrupamentos assim como foi o Quilombo dos Palmares hoje lembrado pelo povo negro em especial quilombolas como o maior símbolo representativo na resistência e bravura, o aquilombamento é ainda hoje o objeto de arma dos remanescentes quilombolas, pois o espírito de luta herdado pela ancestralidade os mantém nessa posição de anseio pela liberdade e a representatividade que manifestam os fazem sujeitos ativos enquanto militantes com fortes influências para construção de um futuro diferenciado para os que ainda irão percorrer os espaços da academia.






Referências
Almeida, Alfredo Wagner Berno de. Quilombos e as Novas Etnias, 2011.
Oliveira, Rosy de; Muller, Cintia Beatriz; Carvalho, Ana Paula Comin de. Vol. 9. Territorialidades Negras em Questão Conflitos, Lutas por Direitos e Reconhecimento, 2016.
Silva, Denise Almeida. Literatura Negra Brasileira: Quilombismo, Teorias e Praxis, 2015.
Nascimento, Elisa Larkin, org. Afrocentricidade uma Abordagem Epistemiólogica Inovadora, 2013.
Entrevista com Estudantes Quilombolas da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia, em 26 e 27 de março de 2017.



[1] Graduanda do curso de Bacharel em Ciências Sociais da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. faz parte de Núcleo de negras e negros estudantes- Akofena. Faz parte do grupo de estudos Memórias, identitárias e territorialiedade no reconcâvo baiano e realiza pesquisas através da militância na comunidade quilombola de origem.