Neste âmbito, o texto revela em
si, um conteúdo direto, não distante do que foi e é [re]produzido contra nós
negros (as). De fato, sua linguagem é fria e dura, advinda do entrelaçamento do
arcabouço de vivencias reais e concretas, extraídas das “quebradas”. Por isso
que, mesmo que o texto aborde reflexões não aprofundadas, a contextualização
de sua problemática relata de forma dinâmica, precisa e elucidativa, uma
escrita afiada, amadurecida, bem como, esdruxula – “mandigueiramente” falando –,
para deflagrar críticas contundentes e compromissadas.
Bem, de onde eu falo? Do meu
lugar! Mas, qual o meu lugar mesmo? O meu lugar define-se socialmente como o do
excluído, invisibilizado, estereotipado, enclausurado, o do pensando como o
não-ser, e etc. E deste lugar, posiciono-me de modo crítico, atuante, e
ativamente reflexivo como sujeito orquestrado com as consequências sócio
históricas. Percebe-se, por isso, que a compreensão dos elementos estruturais
que circundam a realidade dos que sobrevivem nas coesões destrutivas, pode ser
à possibilidade de mudança para reescrever outros contornos diante das
circunstâncias trágicas.
A condição existencial
conflituosa do (a) negro (a) aos olhos do opressor é o lugar do subalterno
silenciado. O subalternizado necessita ser representado por esta nesta condição,
ocupando o lugar de não-ser, do sujeito que é sujeitado a ser objeto. Mas não
estou falando de qualquer objeto. Este se enquadra à vista do opressor enquanto
objeto híbrido, ou seja, modificado, sendo somente reconhecido e percebido como
objeto, que pode ser manipulado, pensado, moldado e adestrado a seguir regras
de doutrinação. A posição de
subalternizado incorpora a uma lógica que promove a falta de confiança no
desenvolvimento da personalidade individual e/ou coletiva, que revela em
situações de invisibilidade e não reconhecimento no convívio com a dominação do
opressor.
Diante disso, é válido afirmar
que o lugar do (a) negro (a)
torna-se
o do conflito, pois diante do quadro antagônico, nas convergências de forças
contra o branco, como não se perceber neste lugar, se historicamente, somos
coagidos (as), condicionados (as) a ser pertencente de um lugar sem sentido.
É um fato que,
historicamente o povo negro foi e é perseguido. Não precisa conecta-se
abstratamente para perceber ou assimilar a veracidade dessa premissa, pois ao
enveredar pelas estatísticas do Mapa da Violência ou até mesmo nas periferias
do Brasil compreenderás tal afirmação. Sendo assim, contestarás que, não foi e
não é atoa que somos a população mais pobre do mundo. Que a nossa condição
social é o elemento estratégico para a supremacia branca e como massa de
manobra nas operações de extermínio.
Assim como os (as)
negros (as) africanos (as) foram arrancados (as), sequestrados (as)
violentamente pelos europeus de suas terras natais, a adaptação com o tempo
tornou-se necessária para reconstituir e restaurar as forças, pois assim como
uma planta que sofre com as mudanças na sua estrutura física pelo transplante
para outro terreno, o (a) negro (a) coagido (a) a esta situação, só restava lutar pela vida, pela liberdade.
Sobrevivemos em meio às
adversidades de fenômenos sociais, políticos, culturais e históricos que contribuíram para
nos colocar no lugar de destaque na subalternização e seleção social, cujo
aparato mórbido, resultou consequentemente nos conflitos internos e externos do
nosso povo.
E para nós, lutar pela
sobrevivência, se manter vivo, torna-se quase uma regra, torna-se fator primordial de
resistência, ou como disse Mano Brown “temos que ser duas vezes melhor!” E
malandramente sobrevivemos nas vielas da vida, construindo elementos
alternativos, contra hegemônicos para reagir conforme o que a realidade
apresenta. Por isso, que incorporamos na maioria das vezes outros modos de
estruturar diretrizes ríspidas, contundentes e condizentes na construção de
outras perspectivas de vida, que possibilitem outras percepções de mundo.
As violências ocorridas continuam
sendo pautadas como ações que retiram as pessoas de experienciar as relações
reais da vida, colocando-as como figurantes no espetáculo produzidos pela
negligência do Estado. A violência que está sendo produzida por este inimigo do
povo negro, é invisibilizada pela camuflagem de interesses múltiplos, que velam
o real sentido por trás de cada ato que se apresenta.
Pela estrutura histórica que
estamos envolvidos, inseridos, implantaram facilmente o sentido de que o
inimigo do preto é o outro preto, é o que? É isso mesmo! O preto que se torna
inimigo do outro, é o mesmo que sofre com as mesmas mazelas sociais do seu
vizinho ao lado, da frente, do bairro oposto, de outro estado, de outro
continente. Essa semente germinou de modo estratégico, de modo, que não
percebamos qual é nosso inimigo em comum. Uma coisa é certa, o meu inimigo,
não mora onde eu moro, muito menos divide as mesmas dores que meu povo, a
“fantada” aqui meu irmão sempre teve um gosto amargo!
O nosso inimigo sempre veio em
nossas “quebradas” disfarçado de “bons interesses”, carregados de “boas
intenções” incorporado com o espirito de "papai noel". Então como posso
desconfiar de quem sempre me desejou bem, me concedendo bens? Ele é um ser bom!
Apôs meu chapa, este deve ser o primeiro que devemos desconfiar!
Foi e é tudo pensado, o nosso
inimigo, age mais ou menos desse modo, primeiro nos coloca nas piores
situações sociais, depois como quem não quer nada “presenteia-nos” dos diversos
modos, inventam outro tipo de inimigo folclórico, como por exemplo, o
traficante. Este figura tem uma característica similar nas “quebradas”, quase
sempre preto, anda largado, tatuagem no corpo, comunica-se com um dialeto
local, de roupa largada, mas espera aí, de onde venho a maioria dos jovens
andam assim! Então, são todos traficantes, estes que trazem o mal para
sociedade, precisamos agir contra eles, olha o “presente de grego” novamente,
vai vendo mais um espetáculo, constrói-se mais uma Unidade de Polícia Pacificadora - UPP.
Não adianta, a “violência”
torna-se um símbolo para descrever o que as pessoas estão sendo, e apresenta-se
enquanto espetáculo que envolve os mais afetados pelo show cotidiano, num
âmbito circular que os condiciona a prisões por ações exteriores. Então, enquanto
nos posicionarmos como impossibilitados de mudar o fator da violência, deixando
os “fardados”, os “armados”, os “engravatados” e “entes abstratos” resolverem
os nossos “problemas”, não se construirá novos caminhos emancipatórios e
estaremos sempre presos a uma condição subalterna, e alheia.
Vivemos em meios aos conflitos,
ou melhor, sobrevivemos por eles e entre eles seja nas periferias, no centro,
nas universidades, nos cargos ditos de importância social, não importa, o nosso
modo lutar, de ser, de pensar, de perceber o mundo ao nosso redor é diferente,
e sendo diferente a reprodução deste mundo na prática também será diferente de
quem sempre teve os privilégios.
Assim como, pela nossa ocupação
as periferias do Brasil tornou-se característica de pobreza, o extermínio de
jovens, especificamente, mas não exclusivamente na Bahia, é sinônimo de preto.
Entendido o recado, então mãos a obra, pois todos os espaços que nós ocupamos
tem que sempre ser pensado, e potencialmente tido como estratégico para
promover nosso modo de pensar, de atuar, de escrever nossa história.
Então, não adianta reclamar que a
escola pública é péssima, enquanto ela for para pobre e preto ela não vai ser
diferente. Não adianta reclamar, pois para nós que sobrevivemos em meios aos
conflitos, a tarefa é diária, eles não vão dar nenhum espaço que não seja o do
subalternizado. Desde outrora reivindicamos por reparações, nossas pautas de
luta ultrapassa gerações, da mesma medida que os estragos cometidos com o nosso
povo.
A missão já foi dada quando
nascemos, quando nós decidimos ser negros (as), você traz consigo a marca de
guerreiros (as), transforme seu modo de pensar em instrumento de luta, a sua voz
numa arma de emancipação, de resistência, de vida.
Falado do meu lugar, e que lugar!
Nós por Nós sempre...
Por: Manoel Alves de Aujo Neto - Uh Neto - Irmandade Sankofa
Por: Manoel Alves de Aujo Neto - Uh Neto - Irmandade Sankofa